Mensagens

Entre ruas

      Cheguei até aqui por outro caminho, um caminho novo para mim. Deixei-me levar pelos pés, concentrada nos meus pensamentos, isto é, perdi-me, fiquei sem saber em que rua estava. Passei sob árvores gigantes que se unem à altura do quarto andar entre edifícios, passei por um café comprido, parecia um túnel de mesas e cadeiras, mais à frente, o perfume das frutas de uma frutaria chegava ao passeio, passei por ruas pelas quais nunca tinha passado, com certeza tão íntimas de quem as conhece. É nestas alturas em que percebo que a minha falta de orientação afinal não é um defeito, é uma dádiva. Caso contrário, passaria pelas mesmas ruas de sempre, cruzar-me-ia pelas mesmas pessoas, tudo ficaria pelo mesmo e raramente encontraria o novo, o desconhecido para mim. Agora, numa esplanada que recebe bem pessoas como eu, que procuram uma mesa emprestada para trabalhar em troca de uma água e de um café, releio capítulos escritos por mim.     Escuto a música que aqui passa e o som constante da

Encontro marcado

  “Encontro no café” foi algo recorrente aqui no blogue, ou tem sido. Fui escrevendo estes textos com intervalos, mas acabo por voltar sempre a eles, um encontro marcado com quem me lê, como se estivéssemos juntos, sentados lado a lado na mesma mesa, em conversa serena. Vamos voltar a estes encontros? Tenho muita vontade. Escrevo isto sentada numa das mesas do bar de Serralves, tive de vir até aqui tratar de um assunto. Então, fica assim combinado, daqui a três semanas estaremos aqui, neste ou noutro café, numa conversa imaginada.

Livro comemorativo

  Esta semana comecei a preparar o livro que para já intitulei como “10 anos”, terá outro título que ainda não sei. Digo que comemoro dez anos de publicações de romances, mas comecei a publicar textos da minha autoria em 2009 com a escrita de textos de opinião/reflexões para o site do jornal Expresso, ao longo de cinco anos. Paralelamente, escrevi para o meu blogue pessoal que criei pouco tempo depois e que mantenho até hoje. Por isso, reúno material escrito há 15 anos. Será então o livro dos 15 anos em vez dos 10 anos, pois pretendo incluir material anterior a 2014, ano em que publiquei o meu primeiro romance, A Segunda Pele da Acácia Mimosa. A maior parte do que escrevi ficará de fora, por enquanto, seria impossível publicar tudo num só livro e, sinceramente, precisaria de ajuda de uma editora para o fazer. Tenho textos de todo o tipo, reflexões sobre o ser humano, atualidade, sociedade, textos em registo de diário, contos, poemas, diálogos, enfim, talvez tivessem de ser divididos

Quietude

Hoje, venho fazer apenas um elogio ao silêncio, ao simples, ao pouco, ao estar. Poucas pessoas, poucos estímulos, poucas coisas, só estarmos. Querer ter muitos amigos é ilusão e engano, muitos objetos é poluição visual e tralha para arrumar ou limpar, muitos compromissos é desassossego e consumo do corpo e da alma. A sexta-feira lembra-me disto, de abrandar, de ouvir o próprio espírito, de sentir quem importa, de estar entre aquilo que importa. Sossego, silêncio, os sentidos apurados pelo nada.   Ana Gil Campos   (Próximo texto dia 7 de junho.)

Pela marginal

Num dos dias entre os dois feriados anteriores, eu e o meu marido, de férias nessa altura, resolvemos sair de casa para um passeio a pé junto à marginal. Num local, mais precisamente num banco público, estava reunido um grupo de homens com idade de serem avós, e um deles apontou com desdém na nossa direção e disse: “daqui a dez anos esta malta tem cidadania portuguesa.” Tive vontade de lhe responder que já a tenho há mais de quarenta anos, mas segui, preferi deixá-lo na ignorância onde provavelmente se sente bem. Sendo portuguesa, vivi uma situação que muitos emigrantes devem viver diariamente. Há pouco, o nosso presidente da república Marcelo Rebelo de Sousa, durante uma refeição, afirmou que os “orientais são lentos” referindo-se ao português António Costa, anterior primeiro-ministro. É isto que se tem visto, ouvido, comentários sem ponta de razão, de lógica, de respeito pelo outro ou por uma nacionalidade, seja ela qual for, até a portuguesa. A xenofobia, a obsessão pelo que o o

Mesquinhez

  Tudo é cíclico na busca incessante de equilíbrio, assim se tem feito a história, evoluindo lentamente, mas evoluindo, com a necessidade de que a lei seja implantada primeiro antes de as mentes preconceituosas se adaptarem, antes de abrirem as suas perspetivas ao respeito pelo ser humano. Por vezes, questiono-me se o preconceito não será apenas a expressão dos próprios medos e se não deveriam ser as pessoas portadoras deles a tratarem-se ao invés de quererem “tratar” a sociedade. O livro “Identidade e família” — apresentado pelo antigo primeiro-ministro que ironicamente convidou os jovens a emigrarem e, assim, a cancelarem ou adiarem a construção daquilo que consideram como família tradicional —, talvez seja o reflexo dos medos de cada autor. Se é verdade que a democracia permite a discussão de diversas e opostas opiniões, como defendem e bem, também é verdade que a mesma democracia permite a liberdade individual de cada um sem que interfira com a liberdade do outro. Direitos conqui

Emojis

  Primeiro, quando se começaram a usar emojis , pareceu-me absurdo, infantil. Mas, como se sabe, primeiro estranha-se, depois entranha-se, assim escreveu Fernando Pessoa sobre a Coca-Cola. Comecei a usá-los timidamente até não hesitar em os usar, sempre com alguma moderação, espero. Agora, sinto-me a retroceder a esta forma de expressão que tem muito de piroso. Admito que é útil quando, por exemplo, perante uma mensagem à qual não se sabe muito bem o que responder e também não se quer ser indelicada não respondendo nada, enviar um simples sorriso resolve a questão. Também entendo que é uma forma de conseguir que as outras pessoas se tornem mais recetivas às mensagens ou emails , mas chegamos a um ponto em que quem não os usa parecem pessoas impregnadas de profunda frieza. Talvez, ao deixar de usar emojis — uso-os cada vez menos —, passe a fazer parte do grupo de pessoas que parecem apáticas ou antipáticas, mas para que serve a escolha das palavras, a forma como as frases são construíd