Café no shopping

 

Desculpa por ter marcado este café no shopping, mas precisava de comprar roupa interior, desde a cabeça aos pés. Agora, para mim, comprar roupa, calçado, o que quer que seja, é uma questão prática. Se preciso, compro, e compro logo em quantidade para não ter de voltar a sair de casa para comprar o mesmo tipo de coisa tão cedo, talvez no próximo ano, ou no seguinte, ou até mais tarde, quando os sapatos já têm mau aspeto, a roupa interior perdeu a elasticidade, as camisolas perderam a cor, as calças estão rompidas.

Gosto deste café, é fácil esquecer-me que estamos dentro de um lugar tão artificial como um shopping. Há pessoas a lerem livros físicos, há coisa mais bela do que ver alguém que estando aqui viaja mesmo à nossa frente? A serenidade que transmite, o mistério, as pausas do olhar em frente, os gestos suaves da mão a virar a página. Outros trabalham no portátil, olha, estão quatro neste momento. Já usei muito este café para trabalhar quando vivia em São Paulo. É verdade, sentava-me na mesma mesa todas as manhãs e todas as tardes. Este espaço tem o convite para quem alimenta o cérebro para além da comida e da bebida, a música como companhia. Para a próxima, trago o meu portátil, caderno e folhas soltas, uma caneta qualquer, escolherei a mesa que chamar por mim e sentar-me-ei a trabalhar evitando ter tudo espalhado, mergulhada em ideias que se transformam em combinações de palavras.


Ana Gil Campos

 

(próximo texto no dia 18 de outubro)

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