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Amo-te

  Li há pouco, algures, uma pessoa afirmar que não gosta de ouvir dizer “amo-te”, que fica mal na língua portuguesa, mas que gosta de ouvir noutras línguas, como em italiano, francês ou inglês. Talvez esta consideração se trate de um cliché, algum vício de raciocínio que não é intimamente nosso, já li ou ouvi o mesmo noutras ocasiões. Ou então não, talvez cause a algumas pessoas um verdadeiro arrepio desagradável, talvez sintam pudor em ouvir a expressão dirigida a si, e muita inibição em a dizer. Atrevo-me a dizer que é uma questão de prática, primeiro estranha-se, depois entranha-se. Dizer e ouvir “amo-te” não causa verdadeira urticária, oscila apenas entre a felicidade e o sofrimento. Amo-te, uma declaração inteira quando sincera, de sonoridade imponente, onde a doçura está toda no pronome pessoal te, na entrega. A quem amas? A ti, toma, o meu amor é teu. Não vejo onde ti amo , je t'aime , i love you sejam mais belos ou mais intensos do que amo-te.

Língua

  Num dos dias na praia, um jovem português pediu-me desculpa em inglês quando a bola que estava a usar com o grupo caiu junto à minha toalha. Sendo eu uma mulher tipicamente portuguesa, e a praia que uso ser afastada dos pontos turísticos e usada praticamente por moradores, questionei-me se não se estará a criar naturalmente uma espécie de dialeto onde palavras estrangeiras, maioritariamente inglesas, se mesclam com a língua portuguesa. Agora, lembrei-me de uma artista portuguesa que mistura os dois idiomas, português e inglês, em liberdade total. A língua também pode ser exercida em liberdade, sem qualquer limite. Descartando a liberdade, há um conjunto de regras e gosto pessoal, mas não se negue que dentro do perímetro de todas as regras da língua portuguesa, há liberdade, muita liberdade: a escolha de cada palavra, construção frásica, encadeamento do pensamento vertido em parágrafos é liberdade, e quanta beleza há nisto.

Lago da praça

  Quando aqui cheguei, na segunda-feira, à Biblioteca Municipal Florbela Espanca, a primeira coisa que fiz foi dirigir-me à máquina do café. Fica logo no piso da entrada, ao fundo. Assim que cheguei a este espaço, olhei para uma mesa e decidi — sem antes imaginar que seria ali que iria trabalhar — que aquela seria a mesa que iria ocupar todas as manhãs ao longo desta semana, com vista ampla sobre a praça, sem ninguém nas outras mesas, um espaço quase secreto, reservado. É verdade que o barulho das máquinas de café e dispensador de comida fazem aquele barulho dos frigoríficos antigos, mas digamos que os benefícios superaram este inconveniente e é como tudo, uma questão de hábito. Foi este espaço que ocupei, onde me sentei a escrever, numa mesa encostada à larga janela, durante uma semana em que, por questões práticas, tive de me deslocar ao centro de Matosinhos todas as manhãs. Às 9 horas já cá me encontrava, e observava levemente os funcionários da câmara a limparem o lago da praça,

Futebol

  Na caixa de um café, enquanto aguardo a minha vez para pagar, o cliente que está a ser atendido, provavelmente habitual, faz conversa de circunstância com o funcionário, atiram um ao outro piadas futebolísticas, pareceu-me que um seria do sporting e o outro do porto, mas não estou certa disto. Parece-me de forma geral, que os homens estão a tornar-se imunes à febre clubista – só espero que a moda do futebol feminino não enviese por este lastimável comportamento, comportamento que sinto cada vez mais adormecido nos homens. Pergunto-me se terão sido os inúmeros programas televisivos sobre futebol, e o mundo paralelo que gira à sua volta, que terão levado os homens a se tornarem menos impulsivos em relação ao seu clube, a lhes darem menos importância, ou a devida importância no sentido de existirem com toda a certeza coisas mais importantes na sua própria vida e na vida em geral. Parece-me uma paixão adormecida que não se transformou nem em amor nem em ódio. Terá sido o excesso de infor

Outono

  No dia 1 de setembro chegou o outono, vinte e um dias mais cedo da data que cronologicamente assinala a sua chegada. Na noite de 31 de agosto para 1 de setembro mudou a estação, quando quase todos dormiam, e acordamos em espanto perante a brisa fria, as folhas amarelas pelo chão, a chuva miudinha ao longo do dia. Não foi apenas uma mudança de tempo, foi também uma mudança de atmosfera. O outono é a minha estação do ano preferida, mas os melhores dias ainda estão por vir, quando o sol não deixa que nenhuma nuvem lhe tape a vista sobre nós, a copa das árvores em metamorfose entre o vermelho e o amarelo, as folhas castanhas a estalarem secas sob os nossos pés. Outono, estação bela e serena, encerra uma magia só dela, encantada, é o começo do início da hibernação que o inverno (me) pede, numa transição gradual, onde ouriços, ursos ou esquilos vão preparando a toca.  

Agosto

  Pela primeira vez desde há vários anos, vivi o mês de agosto em plenitude, sem desejar que acabasse o mais depressa possível. Como agosto me aborrecia, me parecia tolamente longo. Este ano também me pareceu longo, mas deixei espreguiçar-me nele, como se não tivesse outra hipótese, como se o corpo contrariasse qualquer outro plano que pudesse ter. Parecia nunca mais acabar, semana após semana, teve espaço para duas luas cheias, houve dias de chuva, de muito vento, mas também houve fins de tarde em mergulhos no mar quando já não havia praticamente ninguém na praia, o pôr do sol aos pés, a serenidade absoluta. Neste mês tive espaço para ser, para mais descobertas sobre quem sou e o que é a vida senão a descoberta eterna de quem somos se nos deixarmos ser ao mesmo tempo que deixamos de ser?

Férias

  Faço as contas, estarei dezasseis dias de férias, mas fico na dúvida se não serão mais. Não sei como me sentirei ao décimo sexto dia que será numa terça-feira. Estarei farta de estar de férias ou regressarei à escrita na quarta-feira a seguir, a três dias do fim de semana? Talvez sejam 21 dias de férias e é justo. E estes dias finais de julho, os dias desta semana? Ontem não fiz grande coisa, confesso. Deverei contá-lo como dia de férias ou de ócio? Os dias que antecedem as férias não são de verdadeiro trabalho nem de férias, pelo menos para mim, e, no entanto, faço disto um tema de escrita. A verdade, é que as férias não são sinónimo luxo, até porque podem ser passadas no recato de casa no  dolce far niente , mas  há melhor coisa do que estar em casa a descansar? Independentemente de como e onde se passam as férias, são um bem necessário, um retiro interior se quisermos. Já comecei as fazer as malas do cérebro na segunda-feira, a cada dia tenho acomodado apenas o essencial. Ana Gi