Entre ruas

 

    Cheguei até aqui por outro caminho, um caminho novo para mim. Deixei-me levar pelos pés, concentrada nos meus pensamentos, isto é, perdi-me, fiquei sem saber em que rua estava. Passei sob árvores gigantes que se unem à altura do quarto andar entre edifícios, passei por um café comprido, parecia um túnel de mesas e cadeiras, mais à frente, o perfume das frutas de uma frutaria chegava ao passeio, passei por ruas pelas quais nunca tinha passado, com certeza tão íntimas de quem as conhece. É nestas alturas em que percebo que a minha falta de orientação afinal não é um defeito, é uma dádiva. Caso contrário, passaria pelas mesmas ruas de sempre, cruzar-me-ia pelas mesmas pessoas, tudo ficaria pelo mesmo e raramente encontraria o novo, o desconhecido para mim. Agora, numa esplanada que recebe bem pessoas como eu, que procuram uma mesa emprestada para trabalhar em troca de uma água e de um café, releio capítulos escritos por mim.

    Escuto a música que aqui passa e o som constante da máquina de cortar relva. Pouso os óculos de ver ao perto sobre as folhas e questiono-me quanta mais relva existirá por cortar. É sexta-feira, talvez o jardineiro da câmara tente esticar o tempo contando os minutos que faltam para o fim de semana. Parece um carrinho de choques num recinto com um único condutor, junto a um lago onde as gaivotas se banham e bebericam como se estivessem numa festa com piscina.


Ana Gil Campos


*Encontro no café

(próximo texto no dia 2 de agosto)



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