Mesquinhez

 

Tudo é cíclico na busca incessante de equilíbrio, assim se tem feito a história, evoluindo lentamente, mas evoluindo, com a necessidade de que a lei seja implantada primeiro antes de as mentes preconceituosas se adaptarem, antes de abrirem as suas perspetivas ao respeito pelo ser humano. Por vezes, questiono-me se o preconceito não será apenas a expressão dos próprios medos e se não deveriam ser as pessoas portadoras deles a tratarem-se ao invés de quererem “tratar” a sociedade.

O livro “Identidade e família” — apresentado pelo antigo primeiro-ministro que ironicamente convidou os jovens a emigrarem e, assim, a cancelarem ou adiarem a construção daquilo que consideram como família tradicional —, talvez seja o reflexo dos medos de cada autor. Se é verdade que a democracia permite a discussão de diversas e opostas opiniões, como defendem e bem, também é verdade que a mesma democracia permite a liberdade individual de cada um sem que interfira com a liberdade do outro. Direitos conquistados pelas e para as mulheres e minorias não retiram nada daquilo que defendem como família tradicional, apenas houve o acrescento de direitos para quem nunca os teve.

Se como família tradicional querem voltar ao início do século XX, passaremos a uma sociedade de exclusão em vez de uma sociedade de inclusão e esse conceito de família tradicional e contexto social em que se inseria já não tem lugar por motivos evolutivos e adaptativos. Conquistou-se o direito de cada pessoa poder ser quem efetivamente é, a manifestar a sua vontade e opinião e isso é irrevogável. Trazer decisões vanguardistas que já foram tomadas a debate é apenas um convite ao ódio e à descriminação.

Se não gosto pessoalmente de alguém não deixo de dizer boa tarde a essa pessoa e de trocar escassas palavras, se necessário, simplesmente não a convido para minha casa. Fica a sugestão para as mentes retrogradas, digam boa tarde a quem não gostam, sejam educados, e não os convidem para vossas casas, não são obrigados, mas não interfiram com a paz de todos, é só egoísmo, e, fica mais uma sugestão que poderia ser útil a todos, ocupem o vosso tempo a melhorar realmente a sociedade, como repensarem e apresentarem soluções para a crise da habitação — forte barreira para as famílias tradicionais, já agora —, conflitos mundiais, questões ambientais e deixem assuntos familiares e escolhas individuais para cada um, quererem meter-se na vida íntima dos outros é mesquinho, demasiado mesquinho.

 

Ana Gil Campos


(próximo texto no dia 10 de maio.)

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