Biblioteca
Tenho trabalhado, durante
as manhãs, numa biblioteca pública por uma questão prática, neste momento. O ritual
de criar o nosso espaço no meio de um espaço comum. As mesmas pessoas, habitualmente,
as mesmas mesas ocupadas. Cada um constrói a sua sala da concentração onde as
paredes se encontram no cérebro. Alguém espirra, espirra muito, e vem
perguntar-me se tenho lenços de papel, ofereço-lhe um pacote inteiro e agradece-me
como se tivesse acabado de receber a melhor coisa do mundo — provavelmente a
coisa com maior utilidade neste momento, como é tudo relativo.
Ouço estalidos estranhos e rodo a cabeça para trás. Uma mulher com um grande chapéu de palha pousado sobre a mesa e de
portátil aberto, usa um corta unhas com a naturalidade de quem se encontra em
casa.
A máquina do café do bar ao lado ouve-se
daqui, o som da louça quente a ser arrumada. Os dois funcionários da
biblioteca, uma mulher mais velha e um homem jovem, falam entre eles e atendem
os telefonemas na sala onde pedem silêncio aos leitores.
Um rapaz agita os calcanhares com as pontas
dos pés pousadas no chão. Será ansiedade, vontade de urinar ou tenta despertar
de um surto de sonolência? Talvez esteja ainda em época de exames.
Reparo que ainda se usam livros, cadernos e
canetas para além do portátil. A disposição da minha mesa, de quem tem mais
vinte anos do que alguns jovens que aqui se encontram, não é muito diferente. No
outro dia, disseram-me que já não se usam canetas. Há pessoas mal informadas.
As ideias sucedem-me pelas páginas do
caderno que vão ficando preenchidas de tinta azul, e fico feliz por isso. Tenho
mais uma hora até à paragem para almoço.
Ana Gil Campos
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