Exercício
Se não existisse
televisão nem internet a partir de hoje, como seria? Depois do período de
ressaca, sentir-nos-íamos mais leves? Rádio e jornais têm de se manter neste
exercício mental. Como seria a nossa sociedade, melhor, pior, mais unida, mais
feliz, mais ignorante, mas ignorante de quê? Talvez de coisas que não interessam
muito, ou de outras que interessam quase tudo. Será que tornar-nos-íamos mais
egoístas a nível global – porque ficaríamos ausentes de assuntos importantes a
decorrerem em sítios longínquos o que, de certa forma, entregaria maior paz de
espírito, mas, por outro lado, não poderíamos ajudar -, mas mais altruístas,
mais presentes na nossa proximidade?
A verdade é que apesar de
ser possível quase tudo devido à internet, perdeu-se o gosto da conversa, de
estar com os outros, da cooperação. Entre estranhos, as pessoas sentem-se
acompanhadas viradas para o próprio telemóvel, vê-se isso em qualquer lado, até
mesmo quando estão com a família e amigos. Os vizinhos não se conhecem, não
sentem necessidade e gosto de comunicarem entre eles nem de criarem empatia.
Aprendeu-se a ser empático nas redes sociais e desaprendeu-se a sê-lo na vida
física do dia-a-dia. O romance Correria dos Pássaros Presos reflete sobre isto.
A internet, o
conhecimento de múltiplas, quase infinitas alternativas, afastou as pessoas da
sua proximidade ao mesmo tempo que as aproximou de quem está longe, e, assim,
se passam a estar fisicamente perto de alguém que estava distante não o sabem
estar efetivamente, continuando a procurar a proximidade de quem permanece
longe.
Já se viveu sem televisão,
depois veio a internet, e há relativamente pouco tempo chegaram as redes
sociais, umas com mais sucesso do que outras, mas para já ficaram. O que se
seguirá, alguém consegue imaginar? Talvez conseguirmos estar num país ou
acontecimento sem estarmos lá fisicamente, e conseguirmos ver tudo a três
dimensões à nossa volta, as expressões dos rostos e ações em tempo real, um
riacho fresco a nossos pés, uma bomba estrondosa sobre o telhado, o parto de um
veado, eu imagino isto. Uma coisa que me deixa descansada é saber que os livros
físicos se manterão na possibilidade de um dia o sistema colapsar por completo,
num apagão absoluto, e os Homens, seres sociais, também cá estarão, e o que
fariam com isto, com esta libertação virtual?
Ana Gil Campos
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