Censura

 

A censura dos livros é algo que nunca acabou nem nunca acabará, há apenas fases de maior ou menor censura. Neste momento, surgem notícias de que em alguns livros escritos há várias décadas, palavras ou expressões estão a ser substituídas por outras consideradas mais adequadas em edições recentes, sendo as mais antigas guardadas e bloqueadas aos leitores atuais. Mas essas palavras escolhidas na altura em que os livros foram escritos, fazem parte da nossa História, contam-na, fazem parte do contexto social em que se vivia, são um reflexo do tempo em que foram escritas. Reescrever um livro com o objetivo de o censurar não é diferente de apagar partes de pinturas em edifícios históricos, ou em partes de obras de arte em museus, porque poderão causar ofensa ou desconforto de alguma maneira. Percebo que em alguns casos possam parecer ofensivos ou incomodarem pessoas mais sensíveis, mas é importante que permaneçam, que não sejam apagadas para que se perceba a nossa evolução enquanto seres humanos, como seres pensantes que atuam na sociedade, ao mesmo tempo que nos ajudam a não nos esquecermos do passado, do que a Humanidade já viveu e sofreu para que não haja retrocessos. Aquilo que revela a nossa História, apesar de poder magoar e ofender, é um ensinamento e alerta constante, desde que não seja apagada ou escondida.

Além disso, aquilo que é considerado ofensivo depende dos olhos de quem vê, não de quem fez ou escreveu o que quer que seja. A maldade está muitas vezes do outro lado, de quem censura. Um escritor expressa o Homem tal e qual como ele é, há lugar para todo o tipo de personagens, se não o fizer não é literatura, são panfletos de boa conduta. A literatura incita a reflexão, a promoção do próprio juízo de valor, e a liberdade na escrita também reside aqui, esbarrar com o errado, o desumano. O encontro inesperado e rude com o feio, o mau e o cruel, pode fazer com que o leitor escolha caminhos que lhe parecem os corretos pelo seu próprio raciocínio, sem ser algo imposto. A literatura livre dá origem à autonomia do pensamento, como referi noutro contexto.

Por outro lado, ao mesmo tempo que se tentam controlar os intelectuais, há uma permissividade quase total, com a justificação do direito à liberdade de expressão, como se vê em programas televisivos ou no uso da internet, por exemplo, em que vale tudo com a leviandade e inocência de se julgar que o que dizem não significa nada por se tratem de pessoas cujo mérito ou opinião não ter grande peso. Significa, molda mentes inexperientes ou sem grande qualidade (parece-me que este texto seria alvo de censura segundo os critérios atuais). Estamos, mais uma vez, a criar um fosso na sociedade, entre aqueles a que só lhes é permitido escrever aquilo que é considerado politicamente correto e aqueles em que lhes é permitido tudo, que falam e agem com base na estupidez, anulando qualquer construção de pontes, e, não existindo qualquer ponte, vai-se acentuando cada vez mais a estupidez. Aliás, talvez para alguns o ideal seria que o primeiro grupo não existisse sequer, numa sociedade que parece favorecer e premiar a estupidez quando tudo lhe é permitido (este texto, sem qualquer dúvida, tem tudo para ser censurado).

 

Ana Gil Campos

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