Ínfimo
A palavra ínfimo sugere-me
infinito, o horizonte, um buraco negro do espaço, e, no entanto, não é essa a
definição que aparece no dicionário. Talvez porque o mais pequeno, aquilo que é
ínfimo, me lembre os átomos, que agregados compõem tudo o que existe. Há
partículas ínfimas em tudo o que é grande, médio ou pequeno, na própria palavra
escrita, tudo se faz do mesmo, e isto não leva a uma certa noção de infinito,
de grandeza absoluta composta pelo ínfimo, pelo quase nada? Como pode o quase
nada ser tudo?
O que ouvimos neste
momento, que sons nos acompanham agora? Aqui, o trajeto de um avião que passa próximo,
o chilrear nas árvores à volta, o barulho de obras numa casa ao fundo da rua,
um cão decide ladrar. O que sentimos neste momento, que temperatura, que
densidade? A minha respiração serena, a caixa torácica sobe e desce, as mãos
quentes, o peso do corpo no fundo da coluna pousada na cadeira, os dedos em
pinça a segurarem a caneta de tinta azul. O que vemos agora? Quem está, que
coisas nos surgem de imediato, o que se move à nossa volta? Sobre a secretária
tenho folhas e cadernos espalhados, o portátil, uma planta verde, o copo
térmico com chá e o candeeiro de mesa. A caneta segue sobre a folha do caderno
e, lá fora, as ervas agitam-se com o vento, que hoje, manifesta-se de rompante
quando se lembra. O que sentimos na boca? O sabor a café, a chá, a água fresca,
a nada? A saliva, o gosto húmido e quente da saliva. E, no entanto, somos
ínfimos, pequenas partículas à solta, a maioria das pessoas considera-nos, ou
consideramos isso de nós próprios, seres insignificantes, quase nada, ou mesmo
nada. Mas não seremos como átomos que quando agregados construímos coisas,
construímos vida de todas as formas e imprimimos o infinito à finitude
das nossas vidas?
Ana Gil Campos
*A sorte da palavra da palavra à sorte
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