Ondas do mar
Chovia quando cheguei ao
café. Indecisa, escolhi uma mesa junto ao vidro, as ondas do mar oscilavam ao
lado. Agora, o sol quente abriu-se à minha frente, um farol ofuscante. Seria
simpático se uma nuvem se oferecesse como cortina. Escrevo de óculos de sol, é
igual. Pouso a mão sobre o cabelo, já está quente.
Numa parede, caixas de
madeira de marcas de vinho servem como estantes. Na parte de cima, estão
pousadas três letras, T, E, A. Tea. Este espaço lembra coisas de que gosto,
vinho, chá, plantas – há muitas num canto -, mosaico de pedra no chão, cadeiras
e mesas de madeira, o silêncio. Ouve-se apenas um ruído contínuo, talvez de um
frigorífico.
Um homem senta-se ao lado
de outro e pergunta-lhe se está sozinho. “Sente-se”, responde-lhe ao outro já
sentado. Os aparentes estranhos começam uma conversa que revela o conforto de
uma amizade construída em pedaços de horas, dia após dia, talvez numa destas
mesas.
“Vou morrer sozinha”,
ouço na mesa atrás de mim, numa conversa quase muda entre duas mulheres. “Mãe,
vai pagar”, diz a mais nova num pedido urgente de fuga. “O quê?”, pergunta-lhe
a mais velha sem perceber. “Vai pagar”, repete a filha assertiva, talvez tenha
acabado de escutar uma das frases mais cruéis da mãe. Uma mãe não pode fazer da
filha sua amiga. O coração de um filho aprendeu a bater ao ritmo do coração da
mãe, depois, nenhum filho quer pensar no depois, a vida é impiedosa nesse
destino. Levantam-se.
Um cliente abre a porta e
pergunta de rompante: “hoje é sexta-feira, não é?”. A máquina do café começa a
funcionar.
Ana Gil Campos
*Da coleção "Encontro no café"
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