Fisgada
Ela apanhou um pau seco
da terra, sentiu-o firme entre os dedos apesar de semanas à chuva. Reparou na
ponta bifurcada e como daria uma boa fisga. No escritório, encontrou um
elástico grosso, perdido entre a confusão dos papéis à espera daquele dia. Atou-o
ao pau e à porta de casa agarrou um punhado de pequenas pedras de granito que
compõem o jardim. Soltou-as dentro do bolso. Assim saiu armada, há dias que não
sabia o que sentia. A cada pessoa que lhe sorriu atirou uma pedra com aquele
olhar de anjo ferido. A partir daí, os rostos deixaram de se virar na sua
presença rude, ninguém gosta de levar com uma fisgada. Via-a na terça-feira,
perguntei-lhe se estava bem. O seu rosto pálido, parecia o cadáver de uma
mulher que já fora bela, o olhar vago e melancólico, disse-me que sim numa voz
evasiva, um animal contundido que recua para a toca e come da própria dor.
Ana Gil Campos
*Da coleção "A sorte da palavra da palavra à sorte"
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